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sexta-feira, 30 de julho de 2010

"Quando eles chegam" - Graça Alves


"Levam a vida inteira a pensar em Agosto. Já pensavam neste mês de regressos na hora de partirem à procura de lugares onde a terra fosse mais suave, onde o dinheiro fosse mais fácil, onde a vida se escrevesse com menos dureza, com mais futuro. O sonho era ir, trabalhar, para depois voltar, com um anel no dedo e com dinheiro para erguer uma casinha no quintal dos pais.
Os filhos haviam de falar outras línguas, ter outra instrução, ser doutores como os outros, como os que nunca precisaram de sair da ilha para sobreviver às montanhas. E seriam felizes para sempre.
Quando partiram, levaram o mês de Agosto impresso no bilhete:
- Eu volto, pai.
Levaram anos inteiros a trabalhar para Agosto. O ano não tinha importância. Haviam de regressar e voltar a sentir o cheiro da terra que a água rasgou durante o Inverno. Haviam de voltar a comer a sopa de couve na mesa da cozinha, porque a sopa de couve no longe dos países não tem o mesmo sabor, mesmo que os preparos sejam os mesmos e a toalha da mesa igual à que a mãe punha na mesa, há tantos anos, há uma eternidade atrás. Haviam de voltar a subir os barrancos para ver os poios, apenas para matar saudades. Haviam de voltar para rever os lugares, para ver a família, para beber com os amigos. Haviam de voltar. Chegam agora. Mesmo os emigrantes que não vêm, chegam agora. Porque Agosto é o mês de chegar. Os que vêm trazem valises de abraços e de saudades, lágrimas que foram acumulando para as derramar agora, no momento em que os seus olhares se cruzam com a terra.
Os que não vêm, preparam-se para vir noutro Agosto. Talvez para o ano, a figueira ainda se encha de figos, as uvas ainda enfeitem as latadas, os pais ainda estejam sentados no terreiro, à espera que o mundo lhes devolva quem levou.
Chegam agora. Ou não. Em Agosto, a terra espera os filhos que foram à procura de outros mares. Alguns voltam. Outros não.
Quem parte, inscreve Agosto no peito. Quem fica, também."


Link - Jornal da Madeira

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