Esta Crónica, da jornalista Marta Caires, Diário Notícias, considero um Hino às Mulheres Madeirenses que se dedicaram e dedicam à actividade do Bordado Madeira.
A Marta Caires oferece-nos um belo texto nascido da sua vivência, como muitas outras crónicas que ela habitualmente e hábilmente escreve naquele Diário, aos Domingos.
"Lembro-me do ritual, de a ver curvada sobre o bordado, com a agulha na mão e a tesoura ao pescoço para não partir as pontas. Lembro-me do cheiro a anil e petróleo, das mãos macias e de pensar que era eterna. Todas as tardes, sem falta, a minha mãe sentava-se no quintal, à sombra da laranjeira, e puxava do trabalho. Às vezes, ligava o rádio para cantarolar as músicas e ouvir as notícias, mas gostava mais da companhia da minha tia Alice, a quem pedia esperança na reforma para as bordadeiras. A minha mãe preocupava-se com o futuro e acreditava que, um dia, depois de nos criar, depois de tudo o que tinha previsto e pensado, teria uma pensão para atravessar a velhice com dignidade.
Afadigava-se com que a vida podia reservar e, por isso, cada minuto livre, cada instante que tinha, aproveitava para dar mais uns pontos. Bordava todas as tardes, todas as manhãs e, à noite, ligava o candeeiro de braço articulado, para não perder o telejornal e a telenovela. O dedal, a tesoura, a dedeira, as chapas com as cores das linhas fazem parte da memória que guardo da minha mãe, dos seus projectos e planos. Aquele era o seu ofício, dali tirava o dinheiro para comprar uns pratos ou vestido novo, dali esperava garantir a reforma. E dali saiu também maneira de suportar as minhas emergências de estudante universitária em Lisboa.
Em casa, naquele esforço para que o quotidiano fosse outro, a minha mãe festejou o fim do pagamento das linhas e exultou com o subsídio de Natal para as bordadeiras. Não foram conquistas de vulto, de dinheiro assim que se visse, mas era mais, era melhor, muito melhor do que tinha sido até ao momento. As vitórias do Sindicato subiram pela encosta, entraram na nossa casa e mudaram um pouco as nossas existências. E porque viu estas vitórias, porque as sentiu e viveu, a minha mãe acreditou sempre que teria uma reforma, quem sabe se aos 60 anos, como se falava e pedia.
Não chegou a tempo, morreu antes. A mulher que eu julgava eterna, que bordava todas as tardes e tinha as mãos macias, que me metia o braço aos domingos à tarde no regresso da casa do meu avô, que jogava ao cassino, enquanto ouvia o 'Domingo Desportivo' e as desventuras do Marítimo. As leis demoram, seguem percursos burocráticos e agendas políticas, aguardam em silêncio dentro de gavetas à espera que seja oportuno e não consideram os ritmos da Natureza.
Ninguém sabia, ninguém podia calcular a urgência, mas eu, no dia em que a Assembleia da República aprovou a redução da idade da reforma para as bordadeiras de casa, chorei. Chorei pela conquista, mas sobretudo pela minha mãe, pela vida que nem sempre é justa, que nem sempre compensa quem merece."