“E, no entanto o que é comum ouvir é a conversa do ter:
Um amigo que já não via, há algum tempo, senta-se na mesa do café.
Apresenta-se vestido e calçado com anúncios de pronto a vestir. Desfiou a
conversa do Ter. Durante duas horas o que ele não tinha. O que ele não
conhecia. Quem ele influenciava. As mulheres que tinha. No entanto, a
poetisa já dissera: “tiram-nos o que não temos, dão-nos o que não
possuem”. Das Mulheres ninguém tem.
De resto, Ter. Não se tem. Usufruímos. Usamos o que nos toca no leilão da
vida. Todas aquelas peças que vão ao leilão já fizeram parte de sucessivas
conversas do Ter. Dos mais antigos, inúmeros foram os donos. Têm valor
porque lhe atribuimos significado. Já foram parte de versões, sem fim, de
conversas do Ter. No fim, foram os objectos, as terras, as casas, os outros
que nos tiveram. De entre todos os que nos possuiram benditas são as
Mulheres. As Mulheres que tomam contam dos homens e as Mulheres que
tomam conta do mundo.
Nós somos os filhos das Mulheres. Têm uma paciência infinita para as
nossas brincadeiras. Fizeram-nos para o mundo. No centro e na periferia
da vida lá estão as Mulheres. No caminho, entre ambos, também.
Da Terra Nova ao Chile, do Brasil ao Japão, de Marrocos às Molucas as
Mulheres portuguesas fizeram o Mundo. Vinham de uma população que
oscilava entre um milhão e um milhão e duzentos e cinquenta mil pessoas.
Habitaram as praças de África, os Castelos de Portugal no planeta.
Lutaram nos contrafortes. Algumas: “prenhe e com a barriga à boca de
uma filha que logo pariu”.
Viviam, vivem, com grande ansiedade. Mesmo angústia. A luta rouba-lhes a vida de muitos amores. Homens, pais, irmãos, filhos. Uma Mulher a quem se roubou um amor é uma Mulher que se vinga. Que luta e fere. Que
emprega e oferece, nessa luta, a vida.
As Mulheres sabem que Darwin estava incompleto na sua luta pela
sobrevivência. Quem se dedica, como os homens só á luta e á conversa do
Ter perece. Ele e todos os que estiverem à sua volta. Os homens, somos
descartáveis.
As Mulheres inventaram para garantir o futuro, a cooperação como o
método. Como a forma que ultrapassa a selecção natural. A verdadeira
chave de quem passa na evolução é a ajuda mútua entre seres da mesma
espécie. A espécie que se entreajuda tem sobre todas as outras a
vantagem para sobreviver. E as Mulheres tomam conta do Mundo.
De Portugal tomaram conta, uma Teresa, de Afonso Henriques, uma Isabel, de um rei por amar, uma Filipa de Lencastre, da ousadia de dar um destino português ao mundo, uma Leonor, da misericórdia, uma Luiza de Gusmão, da independência. Pelo mundo, uma Ana de Chaves fez um povo, o de S.Tomé.
E, dia, após dia; todos os segundos do dia com a coragem serena da
certeza das coisas da vida as Mulheres estão de atalaia e tomam conta.
Dão-se. Ninguém as tem. Conversam. Falam. Olham aquele olhar. E são
elas, as Mulheres, quem tem. E têm porque dão valor aos outros.”
(Pg. 4 – 6)
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